Biblioteca Escolar e Escola: Uma relação evidente?

 

Este artigo tem por objetivo contribuir para uma reflexão sobre o papel da biblioteca no contexto escolar, verificando as condições de funcionamento, detectando as prioridades deste espaço, conhecendo a relação entre biblioteca escolar e escola e as expectativas dos alunos em torno da biblioteca. Para isso, foi realizada uma pesquisa em 06 escolas da rede pública estadual da Cidade de Natal-RN, que têm o 4º ano. Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados: entrevistas com alunos, professores e auxiliares de biblioteca, bem como observação. Os dados obtidos foram analisados a partir de um referencial teórico que contemplou uma concepção de biblioteca e de leitura, baseada em estudos da psicolinguística, articulados a uma análise do papel da biblioteca no contexto escolar. Conforme os dados apresentados a biblioteca encontra-se desarticulada com os conteúdos escolares e sem atender os interesses de leitura, permanecendo isolada e sem envolvimento com a prática educative, tornando-se assim um local de acúmulo de informações, não um local de conhecimento, de veiculação do saber, um centro de referência de informação no contexto escolar.

AGÁLIA no 101 / 1o Semestre (2010): 9-34 / ISSN 1130-3557 / URL: http://www.agalia.net
Este trabalho inclui-se no projeto de investigação do mesmo nome financiado pela Universidade do Estado de Rio Grande do Norte (UERN) no período 2000-2002.

A nossa experiência de trabalho em escolas públicas como professora e orientadora educacional fez despertar um interesse direcionado às suas bibliotecas, visto o descaso e a pouca importância dada às mesmas tanto pelos responsáveis como pelos que as utilizam.

Partindo de uma visão de biblioteca enquanto centro de referência de informação no contexto escolar, essa pesquisa tem como objetivo geral contribuir por meio de aportes teórico-metodológicos para uma reflexão sobre o papel da biblioteca no contexto escolar. Nessa perspectiva procuramos: verificar as condições de funcionamento da biblioteca; detectar as prioridades da biblioteca escolar; conhecer as relações que se estabelecem entre biblioteca escolar e escola; identificar as expectativas dos professores e dos alunos em relação à biblioteca escolar.

Dessa forma, recorremos a uma pesquisa de campo, em que definimos para a coleta de dados a observação diretiva intensiva, e a entrevista, tendo em vista, como afirmam Lakatos e Marconi (1992), que a observação não consiste apenas em ver e ouvir, mas em examinar fatos ou fenômenos estudados, e a entrevista através de uma conversa frente a frente proporciona ao entrevistador a informação necessária.

Escolhemos para investigação o universo de 30 escolas da rede pública estadual de ensino da Cidade de Natal-RN, todas elas oferecendo o 4º ano do ensino fundamental e possuindo bibliotecas. Desse universo, escolhemos 20% para representá-las, totalizando 06 escolas escolhidas aleatoriamente, levando em conta a sua localização em bairros diferentes.

Os discursos dos sujeitos envolvidos: professores, alunos e auxiliares de biblioteca, foram analisados a partir de um referencial teórico que contemplou uma concepção de escola, biblioteca e leitura. Inicialmente, refletimos sobre a escola como uma instituição formal onde a educação acontece de forma sistemática, planejada, intencional. O saber da escola é um saber organizado, dirigido à preparação do indivíduo para o domínio de conhecimentos universais, ao desenvolvimento cognitivo, ao uso e conhecimento de instrumentos profissionais, bem como à formação do cidadão e do homem político.

Esse acesso ao saber organizado, à cultura universal inicia-se com a aquisição da leitura e da escrita, entendida por muitos como única função da escola. No nosso entender, ler não é apenas atribuir significados às palavras escritas em textos verbais, ou seja, apenas a decodificação de signos, vai mais além, pois precisamos também fazer reflexões em torno do que ler. Sendo assim, a ação de ler caracteriza toda a relação racional entre o indivíduo e o mundo que o cerca, o que não é uma ação mecânica, nem muito menos estática, mas uma atividade em que se admitem as várias interpretações, o desvendar dos significados omitidos no texto, a busca da consciência do ser no mundo, e a interação entre texto e leitor.

Considerada assim, a leitura leva o aluno a posicionar-se criticamente, desvelando a sua realidade e o seu contexto sócio-cultural, e a escola deve ser um instrumento de transformação, pois nela é veiculado o saber, que se dominado leva a questionamentos, discussão e compreensão do mundo que nos rodeia.

E é sabendo ler criticamente, e, freqüentemente, que se pode pensar sobre a realidade, sobre as nossas condições de vida em prol de uma melhoria dessa condição e de uma maior possibilidade de participação social, como afirma Cassany (2002: 1): “en definitiva, la persona crítica es la que mantiene una actitud beligerante en la consecución de sus propósitos personales, através de la lectura y la escritura, pero también la que participa”.

A competência leitora literária aqui adotada compreende, na interação do leitor com o texto, o preenchimento dos espaços em branco (Eco, 2003), o cruzamento da informação do texto com os saberes do mundo empírico e histórico-factual (Azevedo, 2006), ou seja, o desvendar dos elementos omissos no texto pelo leitor que incluirá na leitura a sua competência enciclopédica, bem como os conhecimentos adquiridos na relação leitor-mundo que possibilitam fazer inferências no texto lido, inserindo assim os aspectos cognitivos, emocionais e afetivos do leitor, tornando a leitura tambémumato de prazer. Segundo Pontes e Barros (2007: 71):

É essa competência que permite ao leitor estabelecer um diálogo com o texto, inferindo, prevendo, comparando com leituras e experiências anteriores, estabelecendo relações com as mesmas, interpretar, e assim construir novos conhecimentos. É desta interacção que advém a conquista do pensamento crítico e divergente, a abertura de novosmundos e horizontes, umnovo olhar sobre o outro, e, obviamente, umcontacto próximo comuma escrita de qualidade, coma riqueza e as potencialidades da língua.

A compreensão da importância e utilidade da leitura por seus alunos será cultivada na escola quando se valorizar também leituras que o aluno traz do seu cotidiano. Sobre isso nos fala Freire (1983: 11) ao afirmar que o ato de ler não se esgota na decodificação da escrita,mas “se antecipa e se alonga na inteligência domundo”.

Isso significa dizer que atribuímos significados aos diversos símbolos encontrados no nosso dia a dia, seja uma fala, uma televisão e umjornal, ou até mesmo um objeto, pois nos proporcionam leituras próprias e diversas, e isso não pode deixar de ser considerado pela escola, para que o aluno perceba a vinculação existente entre a realidade e o que emana da leitura do texto literário.

Como ressalta Coimbra (1990) isso significaria transformar a leitura de um ato mecânico, perceptivo, em um momento significativo, em que se dê o prazer de ler, porque a criança ao ler um texto que tenha relação com as suas experiências, seus interesses e suas necessidades, fará surgir ideias e uma vontade de conversar com o autor, o que poderá ainda provocar um desejo de ler sempre mais, tornando o texto uma fonte inesgotável de saber sobre o seu mundo. Essa utilização do texto em sua vida, na sua prática social é o que denominamos hoje de literacia.

Constatamos, de acordo com pesquisas realizadas por Pontes (1993, 2003, 2005)1 e Azevedo (2006)2, a existência de pouca discussão e ampliação do trabalho realizado com os textos em sala de aula, no ensino de língua portuguesa, e isso faz com que o aluno não dialogue, visto que as atividades com leitura realizadas pelos professores apresentam sempre formas de interrogação muito objetivas e lineares, apenas cumprindo e respondendo ao que pedem os manuais escolares, quando na verdade deveriam ajudar a desenvolver em indivíduos a capacidade crítica de compreender o mundo de que faz parte, para nele interferir e atuar.

A ideia de biblioteca escolar defendida neste artigo é a de um espaço de leitura dinamizador, capaz de provocar diversas situações que motivem o aluno/leitor a ler e envolver-se com essa leitura, sendo capaz ainda de diversificá-la, relacionando-a com outras leituras. O espaço de leitura da biblioteca escolar é um espaço amplo, de divulgação de leitura, e repleto de atividades envolventes. Para isso, precisa de pessoal capacitado que conheça e organize seu acervo, fazendo-o circular, transformando o leitor, tornando-o inquieto, capaz de fazer suas escolhas, construir seu próprio texto e socializando-o com os seus pares, como afirma Sáiz (2007: 179): “(…) Promover a leitura é também cuidar dos leitores que já existem, porque promover uma actividade é acima de tudo tornar essa actividade relevante em termos sociais e culturais”.

Relatamos agora o que vimos, ouvimos e analisamos a partir dos dados coletados pelos sujeitos da pesquisa nas escolas públicas pesquisadas. Apresentaremos na continuação a situação das bibliotecas escolares e os discursos dos professores e alunos que fazemparte desse contexto escolar.

1. Situação das Bibliotecas Escolares

Quanto à sua organização interna, as bibliotecas escolares não possuem fichários para registro do acervo existente, e sim anotações em um caderno, realizadas de forma aleatória sem separar por área de conhecimento, nemdiferenciando o que é livro, artigo, revista, atlas, ou outro tipo de material. Os livros são distribuídos nas estantes por assunto e disciplinas específicas, como por exemplo: educação, literatura, história, geografia, português, etc. Em 80% das bibliotecas encontramos mesas e cadeiras para a realização de leitura pelos usuários, 20% delas encaminhamosmesmos para a sala vizinha.

Apenas 20% dessas bibliotecas têm o acervo cadastrado e quantificado. Verificamos que esse acervo é diversificado, incluindo livros de Educação, Filosofia, Sociologia, Psicologia, coleção “Os pensadores”, obras literárias de Machado de Assis, José de Alencar, Érico Veríssimo, Ana Maria Machado, Ziraldo, Sylvia Orthof, entre outros. Em termos quantitativos encontramos dominantemente livros didáticos das diversas disciplinas: História, Geografia, Matemática, Português e Ciências.

De uma forma geral, as bibliotecas precisam de uma melhor organização no seu acervo, assim como de uma estrutura física que proporcione o atendimento de um número maior de usuários em umas instalações físicas que apresentam, de regra, boa iluminação, ventilação suficiente, local apropriado, situado na entrada da escola, visível e de fácil acesso.

Por seu lado, o horário de funcionamento desse espaço é de acordo com a sala de aula, 60% delas fechando inclusive na hora do intervalo. A forma de atendimento por nós observada se dá através da entrega de um livro de acordo com o assunto pedido pelo aluno, não sendo feita nenhuma orientação posterior.

Durante o período de observação (1 dia para cada escola) não foi feito nenhum empréstimo, nenhuma atividade de incentivo à leitura ou integrada ao contexto escolar. Em apenas 20% delas houve uma freqüência razoável de alunos, cerca de 9 alunos, a maioria das bibliotecas atendeu apenas 1 ou 2 usuários que fizeram consulta ao livro lá mesmo.

Os itens a seguir tratam dos dados coletados nas entrevistas realizadas com alunos, professores e auxiliares de biblioteca.

2. O que dizem os alunos

A entrevista realizada com alunos obedeceu a um roteiro composto de 09 perguntas, incluindo faixa etária, freqüência à biblioteca, concepção de biblioteca escolar, e conhecimento de atividades relacionadas a esse espaço e à sala de aula.

O primeiro item da entrevista colheu informações sobre a idade desses informantes. Os resultados foram: 40% se encontram na faixa etária de 10 anos, considerada a faixa regular para cursar a 4ª série no Brasil, e 60% se encontram fora dessa faixa, variando de 11 a 15 anos.

Os itens a seguir tratam dos aspectos relacionados à biblioteca escolar e a sua relação com o contexto em que se encontra: a escola.

Dos alunos entrevistados, 40% disseram freqüentar a biblioteca, 27% freqüentam às vezes e 33% não freqüentam. As razões de freqüentarem a biblioteca são: “para ler livros”, “pesquisar”, “aprender” e “porque gosto”. Os que afirmaram ir às vezes vão só para “pegar o dicionário” ou “pegar um livro quando preciso”. Os que não vão à biblioteca (33%) se justificam dizendo: “ninguém botou pra eu ir lá” e “não gosto”.

Sabendo que as bibliotecas pesquisadas ainda se encontram aquém de um ideal que atenda às necessidades de leitura dos alunos, essa freqüência dos mesmos nos surpreende e faz com que pensemos que se é possível a presença espontânea desses alunos, sem esta presença estar ligada a um trabalho realizado pelo auxiliar de biblioteca ou pelo professor, então se torna possível a realização do projeto de formação de leitores.

Esses leitores que pretendemos formar devem sentir prazer na leitura, por compreenderem o seu significado, compreensão considerada aqui como: “o fator que relaciona os aspectos relevantes do mundo à nossa volta -linguagem escrita, no caso da leitura- às intenções, conhecimentos e expectativas que já possuímos em nossas mentes” (Smith, 1991: 21); e que além de buscarem conhecimentos, participem e saibam criar um novo saber.

Todos os que vão à biblioteca disseram que gostam de ir porque gostam de ler os livros que têm lá, e citaram como lidos O Menino Maluquinho, de Ziraldo, Maria Fumaça, de Sylvia Orthof, e livros didáticos de Geografia e História. A opção por livros didáticos deve-se provavelmente por ser o acervo constituído, na sua maioria, desses livros, conforme verificamos na observação realizada. Sendo assim, a escolha está de acordo com as opções encontradas.

Encontramos também essa constatação na pesquisa realizada por Madureira (1987: 120) nas bibliotecas das escolas da rede estadual de en sino de 1º grau no Estado do Paraná: “O acervo das bibliotecas visitadas é na grande maioria constituído especificamente de livros didáticos, abrangendo as áreas de ensino de 1ª a 8ª séries. As obras de referência se restringem a dicionários da Língua Portuguesa, Enciclopédia e coleções gerais para atendimento às pesquisas.”

Quando citam livros didáticos para ler, os alunos estão se referindo à prática da pesquisa, percebida por eles como a transcrição do texto escrito, cópias de pedaços nele contidos3; isto, para nós, representa um ato mecânico, ao entendermos a pesquisa como uma busca, uma investigação cuidadosa de um tema. Sobre isso Romanelli (1990: 29) faz o seguinte comentário: “O modo como a pesquisa é trabalhada, na sala de aula e nas bibliotecas, não atinge nem o assunto pesquisado dentro dos conteúdos de história, ciências ou geografia e nunca chegará a interferir nos processos mais profundos e necessários que levariam a um comportamento aberto e rico em idéias, frente aos problemas da vida.”

3. Concepção de biblioteca escolar

A compreensão da maioria dos alunos quanto ao que é uma biblioteca é de que é “um local, espaço onde tem muitos livros” (60%). Também encontramos outras respostas: “[o] mesmo que livros educativos”; “onde as pessoas se desenvolvem, lendo livros”; “lugar bom”; “[o] mesmo que livros educativos, brincadeiras”; “um canto para descansar a memória, um local que a gente fica mais à vontade”.

Essa visão de biblioteca apenas como um espaço onde tem muitos livros, remete-nos a uma concepção secular de quando surgiu a biblioteca como local de preservação de livros, tesouros de raro valor, devido ao alto custeio das obras. Desde o séc. XIV, com a difusão do papel, que barateou as cópias manuscritas, e com a invenção da impressão (séc. XV) o registro da escrita chegou a um número maior de pessoas. “As bibliotecas deixaram de ser tesouros para se tornarem serviços e os livros perderam o seu valor material para se tornaremmaterial de consumo” (Milanesi, 1986: 21).

Os alunos que dizem ser a biblioteca o mesmo que livros educativos podem ser incluídos na categoria dos que a vêem como local de pesquisa, ou melhor, de buscar os livros para a pesquisa. Por seu lado, ao definir a biblioteca como local onde as pessoas se desenvolvem, os informantes estão relacionando esse espaço de alguma forma com a prática educativa; e referindo-se à biblioteca como “lugar bom”, esses alunos transmitem a sua ideia de biblioteca enquanto local prazeroso. Mas as condições das bibliotecas pesquisadas não favorecem essa compreensão, o que nos faz concluir que existe uma percepção anterior, ou uma perspectiva dos alunos em relação à biblioteca que coincide com a nossa visão de um lugar que ao proporcionar o contato agradável com os livros, proporcione também o gosto pela descoberta de informações.

Sabemos que as tarefas escolares se voltam para a busca de informações contidas em um texto, diferente da leitura que envolve o leitor, interage- o com o texto, fazendo sentido e proporcionando prazer. Quando vista assim, a leitura passa a ser “uma prática social que remete a outros textos, outras leituras e uma atividade mental complexa em que o leitor utiliza diversas estratégias baseadas no seu conhecimento lingüístico, sociocultural, enciclopédico.” (Kleiman, 1993: 10-12).

Quanto à afirmação de que a biblioteca é “um canto para descansar a memória, um local onde a gente fica mais à vontade” relacionamo-la com a percepção de leitura, enquanto atividade que proporciona prazer, e por isso não cansa, mas descansa, deixa-nos à vontade.

4. Situação da biblioteca escolar

Quando indagamos se a biblioteca tem tudo o que precisa, os alunos responderam que sim (67%), não (13%) e não sabem (20%). Pela situação em que se encontram as bibliotecas, verificamos que as exigências desses alunos são muito poucas, o que nos remete novamente a simples prática de transcrição de livros para trabalhos solicitados pelo professor.

Perguntamos se os alunos conhecem alguma atividade realizada pela biblioteca, 93% responderam que “não”, enquanto 7% afirmaram conhecer. O que nos faz mais uma vez constatar que a biblioteca serve apenas como depósito de livros, local de livros, como já nos disseramesses alunos.

Direcionamos algumas perguntas para as atividades realizadas pela biblioteca escolar e sua integração com o contexto escolar, ou seja, com o processo ensino-aprendizagem propriamente dito. Assim, indagamos sobre a ida à biblioteca com o professor ao que os alunos responderam que ”não” (86%) e apenas 14% falaram que “sim”, com “o professor de matemática para tirar 3 adições e 3 subtrações” e “o professor de português para pesquisar e fazer leitura”.

Essas respostas sugerem que a ida à biblioteca se faz sem planejamento, sem ligação com a proposta do professor, bem como sem entendimento do que seja uma biblioteca, o que comprovamos quando nos referimos à existência de um material da biblioteca utilizado pelo professor, e 53% disseram que o professor utiliza livros, levando-os para a classe para atividades enquanto 47% disseramque os professores não fazematividades.

Ao pedirmos para citarem livros que já tenham lido na biblioteca, 53% afirmaram não ler, e os 47% que leram, citaram livros de literatura infantil como O Menino Maluquinho, O macaco Queco e Quico, A onça doente e alguns livros didáticos; quase todas essas leituras foram indicadas pela professora, destes apenas 6% disseram procurar o livro porque “gostou dele”.

5. O professorado e a concepção de biblioteca escolar

Perguntamos, inicialmente, se a biblioteca atende às necessidades da escola, e 66% desses informantes responderam negativamente; do 34% que responderam afirmativamente, 17% disseram que o espaço atende e os outros 17% estão satisfeitos com o acervo. No entanto, estes professores (17%) mencionaram a falta de uma pessoa responsável na biblioteca, para orientar a pesquisa e para integrá-la ao ensino, explorando o acervo que lá se encontra.

O acervo da biblioteca é conhecido por 83% do professorado, o que faz percebermos pelo menos um contato desses com os livros que lá se encontram, mas faltando uma direção, um envolvimento em relação ao que pode ser realizado nesse espaço.

A concepção do pessoal docente em relação à função da biblioteca escolar é de que: “serve para ajudar na pesquisa dos alunos”. Vemos aqui que mais uma vez a pesquisa é encarada como prática principal da biblioteca; entenderíamos esse ponto de vista se essa prática se desse da forma como menciona Demo (1997: 34): “a pesquisa é fundamental para descobrir e criar. É o processo de pesquisa que, na descoberta, questionando o saber vigente, acerta relações novas no dado e estabelece conhecimento novo”. Mas verificámos que essa compreensão sobre a pesquisa ainda não existe.

Perante a pergunta, “Você precisa da biblioteca? Ou acha que ela é desnecessária?”, 66% responderam que precisam da biblioteca e todos esses a acham necessária, 34% disseram não precisar e, desses, 17% acham que ela é necessária, enquanto os outros 17% acham que a biblioteca, do jeito em que está, é desnecessária, pois não tem material. Os que responderam precisar da biblioteca relacionaram a necessidade de uma biblioteca ao que esperam que ela seja, conforme veremos: “acho que ela é necessária para atender às necessidades de leitura da escola e do professor”; “a biblioteca serve como instrumento de trabalho, serve para mudar a rotina, como material didático e como forma de expandir a criatividade”; “como podemos passar educação ao aluno sem dar valor ao livro? E o livro se encontra na biblioteca”.

Nessas justificativas dos entrevistados encontramos uma valorização ao livro, à leitura, o que nos leva a perceber que o professor valoriza esse espaço na escola, apesar de não verificarmos ações que mostrem essa valorização, visto que suas aulas não extrapolam o espaço de sua sala. Neste sentido, a valorização do livro foi uma constante nas afirmações dos professores, no entanto, não expandem essa compreensão nem a relacionam com as atividades realizadas por eles na disciplina que ministram, e que objetiva o desenvolvimento da compreensão oral e escrita, a partir de estudos de textos literários existentes nos livros didáticos adotados.

No entanto, julgamos que a literatura deve ocupar um espaço privilegiado, em que a partir dela seja possível refletir sobre o mundo, bem como distanciar-se dele, numa perspectiva real e/ou fantasiosa; em que o leitor seja agente, interfira no texto com suas particularidades, escolhendo livremente suas próprias trilhas a seguir. Só assim, através de um trabalho sistemático e intencional de interação com o texto literário é que podemos formar leitores que sejam capazes de exercitarem comportamentos interpretativos de nível crítico e não apenas gastronômico ou ingênuo, conforme Eco (1997).

No discurso do professor que diz achar desnecessária a biblioteca escolar do jeito que ela está, notamos que existe uma compreensão inicial desse espaço como dinamizador, só que esse professor não se percebe como coresponsável por essa dinamização, responsabilizando o espaço por si só, como isolado do contexto em que este trabalha: o contexto escolar. Podemos perceber, na maioria desses discursos, uma visão estática de biblioteca, como local onde se encontra material, e em um deles (“passar educação”) a concepção de escola vinculada àmera transmissora do saber obtido nos livros.

Compreendemos que a escola, além de veiculadora do conhecimento, deve ser propiciadora do novo, o que só vai ser possível se os professores deixarem de ser meros instrutores e passarem a ser mediadores desse processo, favorecendo o envolvimento dos aprendizes, entendendoos como detentores de um repertório, que pode não ser o da escola, mas jamais pode ser ignorado, e sim incorporado ao contexto escolar, para que assim possa fazer sentido ao aluno.

Quando perguntamos aos professores se existia alguma relação do trabalho realizado por eles com o trabalho realizado pelos que estão na biblioteca, foram unânimes em responder que “não existe nenhuma relação”. Os professores quando não relacionam o seu trabalho com o da biblioteca mostram o isolamento em que vivem, como se o conhecimento fosse restrito apenas à sala de aula.

Essa atitude diverge totalmente da nossa compreensão do processo educativo como abrangente e veiculado em todo o contexto escolar, pois não entendemos que o professor e os materiais didáticos sejam os únicos provedores de conhecimento; faz-se necessário expandir o conhecimento além das “quatro paredes” da sala de aula, além dos conteúdos didáticos, das normas estabelecidas em sala de aula, propiciando ao aluno oportunidades de busca de saberes, de criação, de vivência, participação, envolvimento com diversos elementos que permitam reflexão, transformação, compreensão de si mesmo e do mundo que o rodeia.

Se no próprio contexto escolar as práticas educativas se isolam, entendemos que a escola se encontra isolada também do contexto social de que faz parte, não ultrapassando os seus muros, tornando mais difícil ainda compreender, como afirma Vygotsky (1994: 109), que “toda a aprendizagem da criança na escola tem uma pré-história”, dificultando assim o envolvimento da criança com as atividades escolares, e consequentemente com uma aprendizagem significativa que tenha sentido para o aluno.

Os professores se apresentaram unânimes também quanto a resposta à pergunta: “Você vê algum trabalho de dinamização da biblioteca?”, respondendo “não”, o que reafirma a separação existente entre sala de aula e contexto escolar, bem como nos possibilita perceber que os responsáveis pela biblioteca evidenciam a ideia secular de biblioteca como local à espera dos que por ela procuram. Sem dinamizar esse espaço, a biblioteca vai continuar apenas existindo, sem ser necessária, perdendo a sua função de lugar onde vive e se constrói o conhecimento.

Mais uma vez encontramos 100% de respostas negativas quanto à outra pergunta: “A biblioteca é parte integrante das ações da escola?”, comprovando o isolamento que vive a biblioteca e, por outro lado, o professor em sala de aula, o que nos faz supor que se encontra restrito aos seus apontamentos e ao livro didático adotado por ele, achando que não necessita transpor as paredes da sua sala de aula.

Perante a pergunta, “Você freqüenta a biblioteca? Por quê razão?”, metade dos professores disseram freqüentar a biblioteca para “pegar livro emprestado”; “fazer recortes de trabalhos”; “fazer trabalho com os alunos”. Os 50% que disseram não freqüentar a biblioteca, justificaram da seguinte forma: “não tem livros”; “tenho em casa material mais atualizado”; “tenho muitos livros em casa”.

Verificamos que essa ida à biblioteca para fazer trabalho com os alunos deveria ser a atividade de pesquisa, que para nós não está sendo compreendida como tal, mas como “fazer trabalho” simplesmente, muitas vezes sem orientação prévia. Dessa forma, os alunos procuram um assunto sem saberem direito do que se trata, e ao terminarem a atividade continuam sem saber ainda o que significa, visto que geralmente são meros copiadores do que se encontra escrito no material de pesquisa fornecido.

Questionamos agora sobre essa ida à biblioteca para recortes de trabalhos, atividade feita em livros didáticos considerados velhos, sem uso e em revistas, atividade essa que não podemos considerar educativa, visto não proporcionar nenhuma nova aprendizagem, nem compreensões que ampliem o repertório do aluno ou do professor.

Todos os professores entrevistados afirmaram gostar de ler e indicaram como preferências de leitura as revistas Cláudia e Nova Escola, assim como romances como os de Machado de Assis, romances policiais e a gramática da língua portuguesa. Consideramos essas preferências de ordem pragmática, utilitária e bem reduzida, visto os inúmeros materiais de leitura existente em nosso país. Consideramos também que o fato de todo o professorado inquirido afirmar que gosta de ler sugere que são leitores habituais, o que os coloca em situação de vantagem e mesmo constitui conditio sine qua non para ser um bom professor em opinião de Silva (1991: 90), para quem, “transformando-se num bom leitor pelo testemunho, pelo exemplo e pela competência, poderá orientar condignamente a leitura junto aos seus futuros alunos”.

Outra questão feita aos professores foi, “Como você gostaria que fosse a biblioteca?”, resultando as seguintes respostas: “que fosse um espaço maior, com bibliotecária capacitada para trabalhar com o professor e o aluno”; “que tivesse material didático, recursos audiovisuais para ajudar as aulas e que houvesse maior colaboração da escola e de quem trabalha na biblioteca”; “que fosse rica em livros literários, com vídeo para aproveitar a adaptação do livro ao filme, com boas fontes de pesquisas, pessoas especializadas para desenvolver atividades em parceria com o professor, com material didático como papel para desenhar, desenvolver uma redação”; “que tivesse livros que os alunos gostassem de ler e que não têm nada a ver com a escola, leitura de lazer, que tivesse livros de outras áreas, que a pessoa que tomasse conta dela fosse uma pessoa especialista que gostasse de livro, que saiba alguma coisa para orientar os estudantes a respeito da pesquisa”; “que a pessoa da biblioteca trabalhasse em conjunto com o professor e o aluno, que a sala fosse maior”; “que houvesse integração, que o livro lido pelo aluno tenha relação com a sala de aula. Ler por ler não adianta, não faz sentido”.

Com essas respostas, vemos que o professorado deseja que haja integração da biblioteca com o conteúdo de sala de aula, integração essa que seria necessária para a efetivação de um real trabalho que possa justificar a necessidade desse espaço na escola. Entendemos com essas respostas que existe uma concepção de biblioteca escolar compatível com a visão de que esse espaço deve ultrapassar os seus limites e que sendo um centro de documentação, seja também um local ativo, dinâmico, integrado ao processo educativo, propiciando aos que a freqüentam o gosto de ler.

Por último, solicitamos aos docentes sugestões de trabalho a ser realizado na biblioteca, ao qual os professores relacionaram as seguintes atividades: “leitura, desenhos, pesquisa, criação de textos, contos, fazer a criança formar histórias”; “orientação de assuntos, do acervo existente, realização de empréstimo”; “incentivo à leitura, desenvolvimento da linguagem e da escrita (distribuição de livros para os alunos lerem na biblioteca), divulgar livros comparando com os programas de televisão e vídeo”; “1 hora por semana com cada turma mostrando a biblioteca, onde se encontram os livros, lesse para eles, que incentivasse os alunos para irem lá”; “atividade sobre as datas comemorativas, divulgação do acervo”; “expor trabalhos feitos, desenhos, livros, criação de textos, de livros, exploração das idéias dos alunos sobre os livros que leram”.

Como era de esperar em um coletivo profissional responsável e conhecedor do seu papel, o professorado compreende como realmente deve funcionar uma biblioteca escolar, pois além de sugerim atividades relacionadas com a leitura, contos de histórias, sugere também atividades de integração entre esse espaço e a sala de aula. No entanto, esses profissionais continuam relutantes em mudar as suas ações, quando na verdade têm compreensão do ideal e sabem como mudar e melhorar a sua prática.

6. Os auxiliares de biblioteca

Encontramos nos auxiliares pesquisados uma formação maior quanto ao nível de 2º grau (60%), o que também foi verificado por Carvalho (1984) em pesquisa realizada nas escolas de 1º e 2º grau de Fortaleza-CE/ Brasil.

Ao perguntarmos por que trabalham na biblioteca, tivemos as seguintes respostas: “para substituir a que está de licença”; “porque só tinha vaga na biblioteca”; “tive de me afastar da sala de aula”; “não tinha sala de aula”; “pela disponibilidade de trabalhar aqui”. Observamos, com essas respostas, que a maioria dos auxiliares está na biblioteca porque a situação exige e não pela preparação na área ou vontade própria de realizar um trabalho, o que foi constatado também por Pontes (1993) em sua pesquisa sobre as bibliotecas das escolas da rede pública da Cidade de Natal-RN/ Brasil. Dessa forma, fica difícil esperar um bom desempenho desse profissional, visto que não tem intenção de trabalhar nesse espaço, e portanto, não se sente comprometido em sua função.

Perguntados por qual é a função da biblioteca escolar, os auxiliares de biblioteca responderam-nos: “complementar a sala de aula, local de acesso a livros de pesquisa”; “aula de reforço de leitura”; “não sei”; “incentivo à leitura e para desenvolver o aluno em termos de aprendizagem”. As respostas dadas permitem-nos fazer as seguintes considerações: é condição básica para qualquer profissional o conhecimento do espaço onde atua; como 40% dos auxiliares não têm essa condição ao afirmarem que não sabem, 40% indicaram a biblioteca escolar como aula de reforço de leitura e complementar à sala de aula, e apenas 20% como espaço de incentivo à leitura e para desenvolvimento da aprendizagem, consideramos que, consequentemente, a maioria deste coletivo não está a atuar com conhecimento das funções da biblioteca na comunidade escolar, e dificilmente poderá assim realizar um trabalho apropriado.

Para nós esse percentual é bastante significativo, uma vez que esse espaço fica sem significado, sem razão de existir, deixando de atender uma grande quantidade de alunos que perdem com isso a possibilidade de ampliar o seu repertório de leitura e percorrer outros caminhos educativos e prazerosos no âmbito escolar. Apesar das outras respostas (“local de livros de pesquisa”, “aula de reforço de leitura” e “incentivo à leitura“) serem restritas, sim estão referenciadas no âmbito da leitura e da pesquisa, precisando porém ampliar o seu conhecimento nessa área para a realização de uma prática coerente.

Ao perguntarmos qual é a diferença entre biblioteca pública e biblioteca escolar, 60% se referiram à quantidade de acervo, que é maior na primeira, enquanto 20% disseram que o acesso é maior na biblioteca escolar, diferindo-as também em relação à clientela atendida, e outros 20% não viram diferença entre as bibliotecas citadas. Ora, esses profissionais não nos falaram dos serviços, das atividades de cada um desses espaços, falando- nos apenas do que é mais evidente, não da especificidade da biblioteca escolar, visto ser um espaço ligado diretamente ao contexto educativo e dele fazendo parte, e por isso com relação mais direta com o aluno. Ao deixarem de mencionar o caráter educativo, a especificidade da escola, os auxiliares nos surpreendem, pois 80% destes profissionais são professores.

Ao pedirmos que analisassem sua atuação na biblioteca escolar, 60% responderam que acham “boa”, 20% “regular” e 20% acreditam que sua atuação é “falha”. Os que consideram a sua atuação “boa” justificam dizendo que atendem bem quando os alunos lá estão, conversam com eles, emprestam os livros. Recordamos então que 60% desses entrevistados falaram anteriormente que a função da biblioteca escolar diz respeito ao incentivo à leitura, à aprendizagem dos alunos e à pesquisa escolar.

Relacionamos então essas respostas: se esses profissionais consideram a sua atuação boa, deveria ser porque realizam atividades relacionadas ao que afirmaram ser função da biblioteca escolar, mas na verdade o que eles fazem não está relacionado ao incentivo à leitura, nem à realização de pesquisa pelos alunos, como veremos em outra pergunta direcionada às ações dos mesmos. Coerentemente, os que disseram ser a sua atuação “falha” (20%) e “regular” (20%) representam os que não sabem qual é a função da biblioteca escolar.

Quando perguntamos sobre a rotina de trabalho desses auxiliares, 80% responderam-nos que era emprestar livros e arrumá-los, metade destes 80% realizam também uma atividade diferente, recortar livros velhos para os alunos colarem em seus trabalhos. Apenas 20% falaram que atendiam uma turma por dia, incluindo crianças da comunidade para contar histórias e informar “alguma coisa”.

Julgamos que se os auxiliares acreditam que realizam um bom trabalho emprestando livros e recortando livros para os trabalhos dos alunos, estão reduzindo o papel da biblioteca escolar a um local que possui acervo, e não a entendem como prestadora de serviço aos alunos, o que reafirma outras afirmações prestadas por estes sujeitos: “incentivo à leitura”, para a “aprendizagem dos alunos” e “ajudar nas pesquisas escolares”.

Quando perguntamos se esses profissionais participam do planejamento anual e bimestral da escola e se conhecem o conteúdo das disciplinas, foram unânimes em responder que “não participam”, evidenciando assim a falta de integração da biblioteca escolar com o processo pedagógico, com o conteúdo escolar e com a aprendizagem dos alunos.

Indagados sobre o gosto de ler, 60% responderam que sim, e 40% que gostam pouco. Achamos que este último resultado pode, eventualmente, afastar este pessoal laboral dos objetivos perseguidos no seu trabalho, no sentido de afetar negativamente ao empenhamento da socialização do hábito de leitura entre o público alvo da biblioteca escolar.

á quanto ao tipo de leitura que realizam, disseram-nos que lêem obras literárias (40%) , livros didáticos (20%) e revistas (40%) , o qual demonstra pouca diversificação na escolha. Sabemos que existe uma diversidade de acervo nestas bibliotecas, pelo qual reduzir a tipologia de leituras indica distanciamento de todo um saber existente e faz ficar à margem do conhecimento que é contínuo e renovado a todo instante. Assim, a maioria (60%) faz opção por leituras pragmáticas e imediatistas, que exigem pouca reflexão. Isto foi corroborado ao solicitarmos dos entrevistados o nome de livros lidos, altura em que relacionaram algumas obras literárias (40%) como Helena, A Escrava Isaura, A Ilha Perdida, e Montanha Encantada, livros de cunho religioso (40%) e livros didáticos (20%) , confirmando assim o que anteriormente concluímos como leitura reduzida.

Em relação à procura do acervo da biblioteca pelos alunos, os auxiliares nos disseram que 60% lêem livros didáticos e 40% livros de fição como Eu e minha luneta de Cláudia Martins, A cartinha cor-de-rosa de M. C. Silva, À procura do sol de Lannoy Dorin e A planta Mágica de Gilda Figueiredo. Entendemos que a procura por livros didáticos se dá devido o acervo se constituir em sua maioria desses livros, como também para a realização de pesquisas solicitadas pelos professores. Os 40% que escolhem as obras literárias fazem isso quase ao acaso, visto que só em 20% das escolas existe um trabalho voltado para o incentivo a esse tipo de leitura, que é o conto de histórias.

Perguntamos como se dá a aquisição do acervo da biblioteca escolar, 40% responderam-nos que esperam da Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Norte, 40% procuram as editoras e livrarias e 20% adquirem por ações voluntárias. Ficar à espera dos (escassos) recursos que o Estado destina à educação e, em particular, às bibliotecas escolares não demonstra uma atitude proativa, ao contrário daquele 60% que dissera procurar outros meios para obter o acervo, ainda que, neste caso, detetamos em geral ações isoladas que, para serem efetivas, precisariam ser sistematizadas, planejadas e dotadas de continuidade.

Ao indagarmos se esses auxiliares orientam a escolha de livros pelos alunos, todos responderam que sim, pois mostram o livro na estante ou dizem o livro que deve ter o assunto procurado. Da nossa parte, compreendemos que orientar os alunos na escolha de livros requer um conhecimento desse acervo e um esclarecimento desse conhecimento através de uma troca de ideias, com a intenção de integrar o interesse ao que existe na biblioteca, procurando também expandir, incentivando a leitura também de outros assuntos não procurados.

Por último, ao perguntarmos sobre a relação desses profissionais com os alunos, todos disseram que é boa, no sentido de tratá-los bem, só que, como constatamos, não há uma integração maior entre o saber do profissional com a procura de outros saberes pelos alunos.

7. Considerações Finais

Esse artigo pretende contribuir para uma reflexão em torno do papel da biblioteca no contexto escolar da rede pública estadual brasileira, entendida aqui a biblioteca escolar como um centro de difusão de cultura em que seja viabilizada a circulação do livro e a formação de um leitor que, por sua vez, seja capaz de ler e compreender o texto lido, entendendo igualmente que a aprendizagem da língua possibilita o desenvolvimento do aluno em amplos aspectos vitais e a sua inserção e integração na sociedade emque vive.

Em nossa pesquisa, constatamos que o trabalho realizado pelas bibliotecas pesquisadas se encontra aquém desse objetivo, principalmente devido aos recursos humanos que lá se encontram e à estrutura física proporcionada ao leitor. Na verdade, verificamos que não existe nenhuma ação voltada para o incentivo à leitura, motivo pelo qual a biblioteca existe. Algumas bibliotecas pesquisadas nem sequer realizam empréstimo de livros aos alunos e nenhuma delas tem um programa direcionado à promoção das atividades de leitura.

Apesar de que em alguns espaços de leitura encontramos um acervo diversificado, e um local apropriado à leitura devido a sua instalação física adequada, não encontramos leitores interessados, o que nos faz perceber quanto é importante um trabalho dinâmico, ativo e que esteja planejado quanto a procedimentos e objetivos concretos.

Ainda constatamos que a prioridade da biblioteca escolar está sendo manter os livros nas estantes, sem manuseio dos alunos, o que nos leva a um passado longe em que a biblioteca servia como local exclusivo para se guardar as informações, como tesouros ou relíquias, visto a dificuldade de produção desse material, uma prática remota, em geral criticada, mas ainda existente nos dias de hoje. Estamos persuadidos, porém, de que sem facilitar o acesso dos alunos ao seu acervo, a biblioteca escolar dificilmente atingirá o seu principal objetivo de incentivo à leitura e de integração com os objetivos educacionais.

Por outro lado, verificamos, nesta pesquisa, que há professorado que compreende a importância da leitura e da biblioteca, ressaltando o interesse em integrar os conteúdos e as atividades em sala de aula com as da biblioteca. O que notamos em falta, então, é unir a essa compreensão e interesse uma prática concreta de integração, exigindo que a biblioteca atenda aos interesses dos leitores, pois, se se tornarem omissos, os professores estarão contribuindo para que a biblioteca continue sendo um local de livros tão somente, não um local de articulação de leituras, de conhecimento e de veiculação do saber.

Constatamos que os recursos físicos e materiais que a biblioteca dispõe possibilitam o início de um trabalho dinâmico, faltando recursos humanos que o viabilizem. No entanto, a falta de integração às novas tecnologias é visível, tendo em vista os poucos computadores e a pouca acessibilidade à internet na maioria das escolas pesquisadas. Mesmo assim, para os auxiliares de biblioteca cumprirem a função de mediadores do conhecimento existente (entendendo aqui o conhecimento como algo vivo, refutável, gerador de conflitos, propiciador de novos conhecimentos, e não como pacífico, pronto e acabado), precisariam de agir como mediadores integrados ao contexto em que se encontram inseridos. Só assim —possibilitando o acesso livre à informação existente e ao rico mundo literário, com suas variadas opções de leitura, e promovendo o contato agradável com os livros—, é que julgamos possível a formação de leitores, objetivo que enche de sentido à existência de bibliotecas escolares.

Ideal seria, enfim, para nós, que formássemos leitores como a personagem de Clarice Lispector em Felicidade Clandestina, aquela que insiste em querer tomar emprestado o livro As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, submetendo-se a todo tipo de humilhações para conseguir o seu objeto de leitura. Até que um dia a mãe da menina que tinha o livro põe fim a sua crueldade emprestando-lho, proporcionando assim a essa personagem as delícias da posse do livro até o prazer de poder lê-lo, assim dizendo: “criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade” (Lispector, 1994: 18).